domingo, 21 de agosto de 2011

Sobre os princípios do estudo e aprendizado da flauta

Faz tempo que não nos utilizamos do fórum eletrônico para discutir tópicos de flauta. Na verdade, a lista de discussões parou desde a criação do site, e neste não têm surgido questões – talvez por termos tantos encontros frequentes.

Porém, acho importante retomar também este meio de troca de idéias.

Hoje recebi uma mensagem de uma ex-aluna minha, que apresenta uma questão importante. Segue a correspondência:

Aluna:

“Estou penando com aquelas musicas super difíceis,(Fantasia de Fauré e a Sonata em Dó Maior) e a cada passo elas parecem mais complicadas,
Bem, desde o início do ano estou trabalhando nelas e a cada semestre ela fica mais complicada, inicialmente começamos com o estacatto simples, a sincronia dedos, lábios e mãos saiu boa, mas ela é bem mais rápida e se faz necessário o uso do golpe duplo aí começa o pânico ,as coisas não se equilibram a mão vai pra um lado, os dedos estão fora do lugar , não baixam na hora certa, o golpe de lingua sai de qualquer jeito, sem precisão ritmica e o que me parece pior ,as notas não saem tão curtas como eu queria ouvir , como fazer para que tudo funcione?”



Lucas:

Música é um ato complexo, constituído de diversas tarefas a serem abordadas simultaneamente (a técnica + o texto musical + a expressividade, por exemplo), onde cada tarefa pode ser também encarada como um complexo de vários sistemas (técnica = sonoridade + digitação + articulação, etc – por exemplo), e cada sistema, por sua vez, constituído de várias ações (sonoridade = ar + lábio, por exemplo). Já cada uma destas ações - no caso da técnica - é produzida por conjuntos musculares diferentes (respiração = musculatura abdominal + musculatura torácica + complexo laro-faringial, por exemplo). E olhe que só foquei e aprofundei o aspecto técnico da respiração, e lembro que isto tudo, mais toda a parte da música (correção do ritmo, das notas, do fraseado, etc) vai estar ocorrendo ao mesmo tempo.

Ou seja, música é um problema de coordenação entre várias ações bastante complexas, que vão ocorrer ao mesmo tempo.

Para mim, a melhor solução é começar a estudar cada aspecto em separado, com o objetivo de alcançar controle de cada ação (ou de cada músculo, ou de cada ideia ou concepção artística) em separado. Somente depois de assegurar o controle de todas as ações em separado, é que devemos junta-las em sistemas complexos (depois de dominar a musculatura abdominal, a musculatura torácica e o complexo laro-faringial individualmente, é que partimos a fazer exercícios de respiração mais complexos, envolvendo todas as ações ao mesmo tempo). Depois de dominar um sistema (controle do ar, por exemplo), é que podemos coordenar este sistema com outro já “dominado”(articulação, por exemplo – mas este deve já deve, por sua vez, estar realmente sob controle), é só depois de termos vários sistema sob controle é que podemos “bricar” com todas as tarefas ao mesmo tempo, e de fato fazer música.

Este é o princípio de partir do mais simples (um complexo muscular, por exemplo), para o mais complexo (uma sonata de Bach, por exemplo), em etapas sucessiva, aumentando progressivamente o número de ações e decisões a serem dominados.

Como tudo isto deve ser feito ao mesmo tempo na hora de tocar, muitas vezes se cobra em aula o todo, esquecendo que ele é constituído por partes. Cabe ao prof. e ao aluno estabelecerem juntos que aspectos ainda não estão sob controle suficiente para poderem ocorrer simultaneamente a outras ações complexas, e então focar na parte ainda sem controle. Só depois de se “dominar” razoavelmente a parte mais “fraca” é que se pode partir para ações mais complexas.

Foi por isto que eu trabalhei tanto com vc a parte rítmica, a qual eu identificava como muito insegura. Só a partir do momento em que o ritmo estava mais sólido é que podemos fazer exercício de impulso, onda, etc.

Tentar tudo de uma só vez seria o caminho mais rápido, desde que cada ação esteja realmente bem feita. Estudar uma música “desesperadamente” provavelmente não vai resolver um problema de “base”; já dominar ações de “base” (escalas, notas longas, etc) ajudam muito a tocar uma música (já sabemos disto a pelo menos 200 anos).

Não posso opinar sobre qual é o seu caso agora, pois esta percepção só pode ser feita presencialmente, e qualquer conselho vai depender desta percepção. Recomendo que vc e seu prof. investiguem mais a fundo o que não responde imediatamente ao seu controle. Esta é uma tarefa conjunta prof. + aluno, e é construída a cada aula.”

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